Pesquisador destaca o papel da afetividade, da identificação do morador com a cidade
O pesquisador Alex Lamounier, é professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense e em seu pós-doutorado consolida o conceito das atmosferas de preferência, trabalhando com o olhar das crianças. Em palestra recente, ministrada no IFF Campus Campos Centro, a convite do Curso de Arquitetura e Urbanismo e de seu curso de mestrado, ele apresentou resultados de seus estudos realizados em diversas cidades e comunidades. A seu ver, as pequenas intervenções, em que o cidadão local é chamado a participar, podem ser o caminho para transformar o lugar. Nessa entrevista, concedida à Comunicação Social do campus, ele fala da relação afetiva com o lugar e de ideias como a criação de moradias próximas do local de trabalho de pessoas pobres.
O senhor nos traz o conceito das atmosferas de preferência, em que o cidadão manifesta seus vínculos afetivos com seu lugar de moradia. E ainda nos mostra que quem vive no lugar é que sabe o que é interessante para a comunidade. Esses conceitos não mereciam um lugar próprio na educação formal, começando na educação infantil?
Concordo e acredito que sim. O nosso projeto atual, no meu pós-doutorado na UFRJ, é um projeto chamado mapeamento afetivo dos territórios educativos do Rio de Janeiro. Então, é uma parceria com a prefeitura e são feitas duas perguntas para todas as crianças de todas as escolas municipais. A gente pede para eles desenharem ou relatarem um texto sobre como é o trajeto deles entre a casa e a escola. Depois pedimos para eles desenharem ou escreverem como é que eles gostariam que fosse. A gente fez essa dinâmica, pela primeira vez, em 2019 e agora estamos fazendo de novo. Em seguida, analisamos esses desenhos. Ali, eu percebi a atmosfera de preferência na infância, fazendo o treinamento do olhar, de como essas crianças apontam os seu lugares preferidos.
Os resultados surpreendem?
Eu falo que é um mapeamento afetivo e aflitivo. Porque, nesses lugares e muitas vezes, acontecem assédio com essas crianças, elas passam por lugares que tem tráfico, perigos… Ao mesmo tempo, eles têm a pracinha preferida, a sorveteria, sentem falta de árvores. Elas pedem: ‘Eu quero uma árvore pra mim.” Mas também pedem que tampem o valão. Então, no meio dos suplícios de uma criança indo para a escola, a gente vê a importância do afeto para o lugar também. Então, a ideia desse projeto, , é que ele traga ideias sobre questões ambientais e patrimoniais na escola, no ensino fundamental e também ensine sobre as percepções da própria cidade, sobre atmosfera de preferência.
Interessante que essa discussão que o senhor trouxe na palestra no IFF Campos Centro e, em outros lugares, oferece alternativa à ideia de que as pesquisas ficam restritas à academia. Elas podem vir à tona…
O meu projeto de pós- doutorado, eu comecei em Manguinhos, como eu apresentei na palestra. Hoje, ele está focado nessa parte do mapeamento afetivo, na conversa com as crianças. Aí, na UFF, eu o lancei como um projeto de extensão, com foco no patrimônio cotidiano. A ideia é quebrar esses muros, mesmo. A gente também está mudando, o perfil dos estudantes de universidades, graças a evolução dos programas sociais, principalmente, com as populações mais vulneráveis. O meu foco, é escolher as escolas nas periferias, para tentar contemplar os locais imediatos do centro, região portuária, das favelas da zona norte, da zona oeste, a Ilha de Paquetá que está no meio da Baía de Guanabara… Então, a gente tenta entender como é que essas crianças participam dessa cidade e como pretendem participar.
Eu também tive uma percepção na palestra, de que está faltando às comunidades um direito efetivo de se pronunciar sobre projetos pensados pelos entes públicos. Quando a Petrobrás quer explorar petróleo em certo lugar, faz audiência pública com carro de som nas ruas, rádio, tv, outdoor. Esse tratamento está faltando às comunidades?
Sim. Infelizmente. Precisamos de uma visão decolonial. Mas não aquela visão do “what a savior” (Que salvador!), de um colonizador que vem de fora para nos salvar. Não é porque a pessoa é um arquiteto de renome internacional, que acha que vai resolver. A gente não manda as pessoas usarem o espaço. É como eu disse: Boas atmosferas se configuram com o tempo. Eu posso tentar um projeto que pode ter bons atributos, que traz boas lições, mas para ele ser bem apropriado, eu devo fornecer as melhores condições para que ele seja possível. A apropriação depende das pessoas. Onde estão as boas lições? Nas micro intervenções, eu acredito, um bom projeto é aquele que tenta mexer o mínimo possível, ativando chaves de ligação de elementos que às vezes estão desligados entre si, fazendo boas conexões.
O cidadão local tem a contribuir?
Não adianta ter o pensamento do colonizador que chega para civilizar as pessoas. Não é uma questão de civilização. Existem ali, normas e condutas, que nem sempre são aceitas pelo senso comum, mas a vida e os afetos existem ali. Aquelas pessoas estão se resolvendo. A favela traz, por exemplo, lições muito importantes sobre arquitetura, a vida em comunidade, o senso de comunidade, a solidariedade, a resistência em condições difíceis de vida, etc. Eu acho que a gente tem muito mais a aprender do que ensinar com isso. A ideia é trabalhar junto, trabalhar com. É assim que deve ser. A população tem que ser ouvida. Não é um projeto para, mas é um projeto com a população. O arquiteto deve ser um catalizador de algumas coisas, mas não é um que propõe ou impõe os seus ideais.
Vemos em Campos dos Goytacazes, que é uma cidade de médio porte, uma crescente população de rua e um esvaziamento do Centro Histórico, local onde muita gente vive nas calçadas. Há uma ideia de construção de moradia para as pessoas que se instalam no Centro. Como é isso?
Existem estudos que mostram que no Centro expandido de São Paulo, há uma quantidade tão grande de imóveis ociosos, que poderiam suprir a demanda de famílias sem teto na cidade inteira e ainda sobrariam imóveis. Mas por que eles não são utilizado? Por uma questão de respeito absurdo à propriedade privada, que se sobrepõe à função social da propriedade. O ideal é que a pessoa pobre more perto de seu trabalho. A oferta de trabalho ainda está no centro. O esvaziamento que acontece é o residencial. A questão é pensar em estratégias conforme a demanda da população. Existem pessoas que estão em situação de rua e não estão inseridas no mercado de trabalho.
Precisamos de políticas públicas?
Pois é. Precisamos de programas para tentar reverter isso. Mas enquanto isso não acontece, podemos desenvolver algumas formas de acolhimento. Tem até um perfil no Instagram, que é do padre Júlio Lancellotti, que denuncia prática de aparofobia, sensação de fobia ao pobre. A gente tem aquelas arquiteturas que fazem barras com grades, tem aqueles espetinhos no chão… Por que as cidades não podem ser mais inclusivas para essas pessoas? Se elas não têm um lar, por que não podem ter um cantinho para que possam se deitar, onde possam se proteger? A gente tem uma cultura de expulsar; A pessoas pensa: se eles não têm casa, não têm onde dormir, não vai dormir na minha calçada. Tratar de boas atmosferas, é tratar para que a cidade tenha atmosferas de preferências acolhedoras para a maioria das pessoas.
Um olhar mais generoso, humano…
Não é só para mim que tenho a minha casa e quero passear em uma rua que acho bonita. Mas é também para o irmão que está necessitando de um aconchego, em uma noite de chuva ou de um cantinho para pôr as suas coisas e dormir em segurança, não é? Então, discutir atmosferas de preferências não é discutir o que me agrada, o que te agrada, mas o que agrada à sociedade em geral. É o sentir o direito de ser reconhecido na cidade afetivamente e individualmente. Eu, como indivíduo, me sentir acolhido e isso contribuir para o bem coletivo de fluição da cidade; É ampliar a discussão do acesso à cidade. Isso passa, tanto pela questão de reutilizar o centro, com moradias sociais, inclusivas, com ofertas de empregos, mas também, pelo acolhimento das populações necessitadas.